sábado, 21 de agosto de 2010

CAPITALISMO, TRABALHO E MAIS-VALOR

Cleito Pereira dos Santos

Introdução

Neste texto pretendemos, de forma breve, apresentar a concepção marxiana acerca da atividade humana, o trabalho, e sua relação com a organização da sociedade vista como produto das relações sociais. De inicio, articulamos a concepção marxiana da história dando ênfase nos momentos particulares e singulares da produção sócio-material e, posteriormente, apresentamos os aspectos fundamentais da produção especificamente capitalista a partir de conceitos como mais-valia, capital constante, capital variável, dentre outros.
Em síntese, a leitura de Marx acerca do capitalismo aponta as questões relevantes para o entendimento da constituição e expansão deste modo de produção. O processo de produção como a unidade entre processo de trabalho e processo de valorização. A mercadoria como unidade do valor de uso e do valor de troca. Enfim, procuramos demonstrar como ocorre a produção de mais-valia enquanto momento particular e predominante da produção capitalista.
O Trabalho Como Categoria Central na Concepção Marxiana

Para Marx, as diversas formações sociais se distinguem pela maneira como está organizada, no seu interior, a divisão social do trabalho e, consequentemente, a produção material. O modo como os seres humanos organizam a produção dos seus meios de vida diferem tanto nas sociedades antigas, como no feudalismo e no capitalismo. Marx parte da vida material, produção, como forma de entender a vida social, ou seja, a maneira como os indivíduos organizam, historicamente, a produção material dos seus meios de existência refletem sua forma correspondente de pensar, do ser, enfim, dá a configuração da organização social.
O trabalho, em Marx, assume uma centralidade enquanto atividade especificamente humana voltada para a satisfação de necessidades materiais e meio de realização da humanização do ser, que sob as relações sociais de produção capitalista encontra-se alienado, e, portanto, elemento de socialização do indivíduo.
Os indivíduos sempre partem das condições materiais existentes, anteriores, para criar novas maneiras, formas, de produção. A história é o desenrolar de processos sociais de produção. De acordo com Marx (1986: 27), “(...) o modo pelo qual os homens produzem seus meios de vida depende, antes de tudo, da natureza dos meios de vida já encontrados e que têm de reproduzir.”
O cerne do pensamento de Marx está localizado na compreensão da produção material como local onde os indivíduos estabelecem contatos sociais e que refletem na forma de organizar sua vida em sociedade. Portanto, como lugar privilegiado da configuração de relações sociais específicas e transitórias de cada modo e produção. Nesse sentido, os indivíduos são um produto da vida sócio-material, entendida como o conjunto das relações de produção de uma dada formação social, e:
(...) o que eles são coincide, portanto com sua produção, tanto com o que produzem, como com o modo como produzem. O que os indivíduos são, portanto, depende das condições materiais de sua produção. (Marx, 1986: 27-8).

Dentro desta perspectiva,
...os homens, ao desenvolverem sua produção material e seu intercâmbio material, transformam também, com esta sua realidade, seu pensar e os produtos de seu pensar. Não é a consciência que determina a vida, mas a vida que determina a consciência. (Marx, 1986: 37).

Dessa maneira, os indivíduos fazem a história não a partir de idealizações do mundo, mas, e precisamente, a partir de condições reais, concretas, da sua vida social. O ponto de partida em Marx, é a produção sócio-material.
A satisfação de necessidades conduz a novas necessidades e, o trabalho é a forma de criar meios para essa satisfação. A divisão do trabalho expressa a separação entre quem produz e quem se apropria do excedente, do produto. Cada formação social organiza sua produção material de acordo com condições históricas específicas; assim, temos que os diversos modos de produção diferem entre si pela maneira como os meios de trabalho e de produção estão organizados.
Marx entende que a formação social resulta das ações concretas e da experiência histórica que as diversas gerações transmitem a partir das lutas sociais e das contradições do mundo real. Em outras palavras, aparece uma organização social da produção, específica, histórica e transitória, com sua respectiva superestrutura jurídica, política e ideológica. Nesse sentido, compreende que:
(...) a história não termina dissolvendo-se na 'autoconsciência' (...), mas que em cada uma de suas fases encontra-se um resultado material, uma soma de forças de produção, uma relação historicamente criada com a natureza entre os indivíduos, que cada geração transmite à geração seguinte; uma massa de forças produtivas de capitais e de condições que, embora sendo em parte modificada pela nova geração, prescreve a esta suas próprias condições de vida e lhe imprime um determinado desenvolvimento, um caráter especial. Mostra que, portanto, as circunstâncias fazem os homens assim como os homens fazem as circunstâncias. (Marx, 1986: 56).

Tendo clareza da dialética do processo real da história, Marx parte para o estudo específico do capitalismo, utilizando sua própria expressão, "(...) a anatomia da sociedade burguesa deve ser procurada na Economia Política". (Marx, 1983: 29). Daí seu interesse em estudar os principais representantes da Economia Clássica Inglesa, Adam Smith e David Ricardo, que vão fornecer conceitos como valor-trabalho, renda da terra, trabalho produtivo, etc., reelaborados por Marx e que são fundamentais para a análise marxiana da economia capitalista.
De acordo com Paula (1994: 129),
(...) Marx começou efetivamente, a entender a economia política depois de um primeiro contato superficial e incompreensível. Portanto, a verdadeira natureza da conversão de Marx à teoria do valor faz parte de um processo mais amplo de elaboração de sua própria concepção filosófica, de seu ajuste de contas com a matriz hegeliana. A forma como Marx vai enfrentar e reelaborar a filosofia hegeliana está na base de sua aceitação e posterior transformação da teoria do valor-trabalho. Os termos definitivos da questão só serão efetivamente colocados por ocasião da redação de O capital.

Isto posto, vale ressaltar que a obra de Marx, no seu conjunto, é marcada pela ruptura-continuidade de seu pensamento. O estudo da economia política levou-o a construir uma forma de pensar acerca da sociedade capitalista onde a exploração, a contradição, o capital, a luta de classes estavam presentes e constituem-se em conceitos primordiais de sua análise.
Desse modo, os estudos econômicos consolidados através da Contribuição à critica da economia política (1859) e de O capital (1867) procuram compreender a estrutura fundante da economia burguesa. Em O capital, é apresentada uma análise extensa da produção capitalista. Marx centra seu esforço na explicação do processo de produção do capital. Assim, ele inicia O Capital situando a riqueza burguesa como uma imensa acumulação de mercadorias, ou seja, a peculiaridade do capitalismo está na forma de produção e na acumulação de trabalho corporificado na mercadoria. Trata-se, pois, de explicar a formação social capitalista do ponto de vista do desenvolvimento das forças produtivas, da divisão do trabalho, das relações sociais e das contradições inerentes ao processo de produção capitalista.
Em Marx, processo de trabalho é a forma pela qual meios de produção - objeto de trabalho e instrumento de trabalho - e força de trabalho processam uma transformação fundamental: criação de mercadoria. Ou seja, o processo de trabalho se encerra no produto, na criação de valores de uso como resultado e condição do próprio processo de trabalho na sua forma capitalista.
A produção de mercadorias implica na existência dos ciclos, dinheiro-mercadoria-dinheiro e mercadoria-dinheiro-mercadoria. A produção de valores de uso existe enquanto essência da realização do trabalho, do consumo produtivo, e também como produção de valores de troca. Esses são dois fatores da mercadoria.
Ela só existe na forma de possuir uma utilidade, valor de uso, e uma quantidade social de trabalho centralizada no valor de troca. Valor de uso e valor de troca forma a unidade mercadoria.
As relações capitalistas exercem efeitos consideráveis e importantes para a estruturação dos próprios sujeitos, tendo como pano de fundo o mesmo leque de possibilidades aberto por determinadas condições, históricas e específicas. Lembremos da discussão levada a cabo no 18 Brumário. Ali a práxis humana está sendo construída e reconstruída, paulatinamente, no calor dos acontecimentos.
Os indivíduos estão em disputa enquanto sujeitos que através de uma relação social coisificada que impõe - lhes o limite da existência do seu ser, entram em conflito procurando resolver as contradições sociais e políticas. Ou seja, a luta de classes como mecanismo de alteração da ordem social e de estruturação de uma nova realidade; identificação desse processo como mudança social da estrutura do modo de produção.
Em Marx, a transformação social acontece de acordo com a dinâmica de cada sociedade. Por outro lado, as relações de produção dessa sociedade determinam o caráter da mudança social. As relações sociais são conflituosas e o antagonismo entre classes acirram as contendas no interior da sociedade.
A mudança social está relacionada com o grau de desenvolvimento das formas produtivas, com a luta de classes e com a superestrutura correspondente. Assim, Marx focaliza o aspecto da transformação social a partir da constatação que:

(...) na produção social que os homens realizam, entram eles em determinadas relações indispensáveis e independentes de sua vontade; tais relações de produção correspondem a um estágio definido de desenvolvimento das suas forças materiais de produção. A totalidade dessas relações constitui a estrutura econômica da sociedade - fundamento real, sobre o qual se erguem as superestruturas política e jurídica, e ao qual correspondem determinadas formas de consciência social. O modo de produção da vida material determina o caráter geral dos processos da vida social, política e espiritual. Não é a consciência dos homens o que lhes determina a realidade objetiva, mas, ao contrário, a realidade social é que lhes determina a consciência. Em certo estágio de desenvolvimento, as forças materiais de produção em sociedade entram em conflito com as relações de produção existentes ou - o que não passa de expressão jurídica da mesma coisa - com as relações de propriedade dentro das quais vinham antes operando (...). Com a transformação da base econômica, toda a enorme superestrutura é mais ou menos rapidamente transformada. (Freedman, 1966: 29-30).

Dentro desse quadro analítico, Marx explica o surgimento do capitalismo e seu posterior desenvolvimento. O capitalismo só aparece como modo de produção quando as forças produtivas entram em contradição com as relações sociais de produção existentes anteriormente. Em outras palavras, novas forças produtivas criadas historicamente, põem a necessidade e fazem aparecer uma nova divisão social do trabalho que corresponde a um modo específico de organizar a produção material.
Portanto, essas novas forças produtivas postas em movimento e a divisão do trabalho resultante, implicam na formação de uma superestrutura jurídica, política e ideológica. A formação social capitalista surge como resultado do desenvolvimento histórico da produção social e material. A produção material como produção de mercadorias, o trabalho assalariado como específico da organização capitalista do trabalho e da produção.
A Produção Capitalista Como Produção de Mais-Valor

A mercadoria aparece como a unidade essencial do processo de produção capitalista. Ela contém valor de uso, dado pela sua utilidade, e valor de troca, determinado pelo tempo socialmente necessário à sua produção.
O processo de trabalho é a personificação de criação de mais valor. O capitalista para realizar o ciclo dinheiro-mercadoria-dinheiro(D-M-D’) necessita incorporar ao processso meios de produção e força de trabalho. A compra dessas duas mercadorias possibilita ao capitalista colocar em movimento o processo de produção para extrair dele mais do que foi investido inicialmente.
Segundo Marx, o segredo do processo está no fato do capitalista se apropriar de trabalho vivo colocando-o para produzir mais-valor. À medida que o operário vende sua força de trabalho, ele recebe os meios necessários a sua subsistência, ou seja, o salário expressa o quantum monetário necessário para que o trabalhador reproduza a si mesmo e aos outros membros da família enquanto trabalhador assalariado formalmente livre.
O processo D-M-D’, o capital só aparece como tal a medida que valoriza a si mesmo. Em outras palavras, quando o capitalista consome seu dinheiro com o objetivo de aumentá-lo, temos o capital operando como elemento de sua própria reprodução. O capital preserva o valor inicialmente investido e acresce mais-valor como forma de se reproduzir enquanto tal. Isto só é possível tendo em vista a capacidade de se apropriar de trabalho não pago, ou o que é o mesmo, de controlar a capacidade de trabalho do operário, se apropriando de trabalho excedente.
O processo de trabalho e o processo de valorização aparecem como a unidade do processo de produção de mais-valia. Quando o capitalista compra força de trabalho e meios de produção isto já implica o processo de valorização do capital. Comprar para vender e vender para comprar e valorizar o capital investido.
A mercadoria que resulta do processo de produção possui valor de uso e valor de troca. Ela incorporou trabalho vivo ao trabalho já objetivado. Os meios de produção utilizados na produção da mercadoria contêm trabalho pretérito, outras formas, outras qualidades de trabalhos realizados por outros operários. Trabalhos concretos que possuem uma utilidade, valores de uso sem os quais o capitalista não coloca em movimento o processo de produção.
No entanto, meios de produção por si só não valoriza o capital, não produzem novas mercadorias, sem as quais o capitalista não terá lucro. Faz-se necessário comprar força de trabalho que colocará em movimento no processo produtivo os meios de produção. Trabalho vivo que movimenta o trabalho morto, pretérito, passado. Aqui, de acordo com Marx, está o segredo da produção capitalista. Assim, o
(...) dinheiro tem que valorizar-se. O valor deve servir para gerar mais valor de troca. As grandezas do valor têm que crescer, quer dizer, o valor existente não deve apenas conservar-se: deve também gerar um incremento...(Marx, 1985: pp).

Desse modo, o processo de produção, assim como a mercadoria, possui uma unidade:
...o processo de produção que é processo de produção de mercadorias é a unidade imediata do processo de trabalho e do processo de valorização. Do mesmo modo que as mercadorias, isto é, as unidades imediatas do valor de uso e do valor de troca, saem do processo como resultado, como produto, assim também ingressam nele na qualidade de elementos constitutivos. De um processo produtivo não pode sair nunca nada que nele não tenha entrado sob a forma de condições de produção. (Marx, 1985: pp).

A partir do momento que o capitalista compra força de trabalho e meios de produção, ele transforma dinheiro em capital. Assim, compra mercadorias e vende mercadorias. Compra para vender, vende para comprar. Transforma trabalho vivo em trabalho pretérito. Enfim, criar mais-valor, produzindo mercadorias.
O ciclo do capital, D-M-D’, se repete indefinidamente naquilo que Marx designou como reprodução ampliada do capital. Em suma, o capitalista não encerra o processo de produção de mais-valor tão logo tem em suas mãos mercadorias produzidas por trabalhadores assalariados. Como algo inerente ao capital, este precisa produzir mais, reiniciar o processo de produção, para ampliar o capital em escala cada vez maior. Isto é possível à medida que retorna à produção e investe mais capital. A produção crescente de excedente, mais-valia, o modo capitalista de produção.
O valor das mercadorias é determinado pelo tempo de trabalho socialmente necessário a sua produção. O que determina a grandeza do valor da mercadoria é,
...apenas o quantum de trabalho socialmente necessário ou o tempo de trabalho socialmente necessário para produção de um valor de uso o que determina a grandeza de seu valor. (Marx, 1988: 48).

No processo de trabalho capitalista, o trabalhador trabalha sob controle do capitalista. O trabalhador é livre para vender sua força de trabalho, mas depois que o faz fica sob a vigilância estrita do capitalista. Ao mesmo tempo o produto, a mercadoria, é propriedade do capitalista. A produção de valor torna-se o centro do processo de produção de riqueza capitalista. O ciclo D-D’ torna-se a razão da existência do capital e, consequentemente:
o valor torna-se, portanto, valor em processo, dinheiro em processo e, como tal, capital. Ele provém da circulação, entra nela, sustenta-se e se multiplica nela, retorna aumentado dela e recomeça o mesmo ciclo sempre de novo. D-D’. Dinheiro que gera dinheiro... (Marx, 1988: 127).

No entanto, a riqueza produzida só aparece como tal a medida que a força de trabalho colocada no processo de produção é explorada, apropriando o capitalista de trabalho não pago. A extração de mais-valia, na forma clássica, ocorre de duas maneiras: ou o capitalista prolonga a jornada de trabalho, extraindo daí a mais-valia absoluta, ou melhora as forças produtivas através da incorporação de tecnologia e da ciência, extraindo daí a mais-valia relativa.
A tendência do modo de produção capitalista é fazer crescer o capital constante e reduzir o capital variável. Em outros termos, a parte do capital investida em trabalho pretérito, morto, cresce em detrimento da massa de força de trabalho utilizada para produzir mercadorias. O capitalista investe nas forças produtivas em busca do aumento da produtividade do trabalho e, conseqüentemente, no aumento da massa de lucro para fazer frente aos outros capitalistas que estão no mercado concorrendo entre si.
Assim, para Marx, a composição orgânica do capital, expressa pela relação entre capital constante e capital variável, cresce permanentemente devido a necessidade do capital em se reproduzir em escala crescente e, portanto, devido a necessidade de aumentar a massa de lucro.
O capital variável, convertido em força de trabalho, é o responsável por acrescentar valor à mercadoria. A relação capital constante e capital variável expressa a relação entre trabalho pretérito, morto, e trabalho vivo. O capital só expande à medida que utiliza de forma crescente o trabalho já objetivado, trabalho já incorporado em mercadorias que serão consumidas no processo de produção, e ao mesmo tempo só expande tendo em vista o consumo de trabalho vivo, representado pelo consumo, em cada processo de produção, da força de trabalho.
A subordinação real do trabalho ao capital aparece aqui na sua forma essencial. De acordo com Marx,
a subsunção real do trabalho no capital desenvolve-se em todas aquelas formas que produzem mais-valia relativa, ao contrário de absoluta. Com a subordinação real do trabalho no capital efetua-se uma revolução total (que prossegue e se repete continuamente) no próprio modo de produção, na produtividade do trabalho e na relação entre capitalista e operário. (Marx, 1985: 104-5)

No modo de produção tipicamente capitalista, a extração de mais-valia relativa passa a ser o fio condutor do processo de produção. Para fazer frente à concorrência os capitalistas operam verdadeiras revoluções no processo de extração de valor. O desenvolvimento tecnológico, a ciência, a técnica, são instrumentos fundamentais para a revolução na produtividade. Daí Marx chamar a atenção para a composição técnica do capital.
Desse modo,
o resultado material da produção capitalista- para além do desenvolvimento das forças produtivas sociais do trabalho- é o aumento da massa da produção e a multiplicação e diversificação das esferas produtivas e das suas ramificações; só depois disto se desenvolve correspondentemente o valor de troca dos produtos: a esfera onde operam ou se realizam com valor de troca. (Marx, 1985: 107).

O produtor direto aparece apenas como meio de produção que gera mais-valor no processo de produção. Aparece, pois, como uma mercadoria que durante o consumo, produtivo, deve produzir algo superior a seu valor inicial. O desenvolvimento das forças produtivas possibilita ao capitalista concorrer e, conseqüentemente, aumentar a produtividade do trabalho reduzindo o tempo de trabalho gasto na produção das mercadorias.
Desse ponto de vista, a produção capitalista:
(...) é uma produção que não está ligada a limitações predeterminadas das necessidades, (o seu caráter antagônico implica a criação de barreiras à produção que ela sem cessar procura superar. Daqui as crises, a superprodução etc.). Este é um dos aspectos que distinguem esta produção do modo de produção precedente; é, se se quiser (...), o aspecto positivo; teremos por outro lado, o aspecto negativo, antitético: produção que se contrapõem aos produtores, para a qual os produtores não contam. O produtor real como simples meio de produção; a riqueza material em contradição com o (e a expensas do) indivíduo humano. Produtividade do trabalho, em suma = máximo de produtos com mínimo de trabalho; daqui o maior embaratecimento possível das mercadorias. Independentemente da vontade deste ou daquele capitalista, isto converte-se na lei do modo de produção capitalista. E esta lei só se realiza implicando outra, a saber: a de que não são as necessidades existentes que determinam o nível da produção mas de que é a escala de produção- sempre crescente e imposta, por sua vez pelo próprio modo de produção-que determina a massa do produto. O seu objetivo (é) que cada produto etc., contenha o máximo de possível de trabalho não pago, e isso só se alcança mediante a produção para a própria produção. (Marx, 1985: 107-8 (grifos do autor)

Isto não implica na existência de uma única forma de extração de mais-valia, a mais- valia relativa. Na produção capitalista subsiste outra forma de extração de mais-valor, a mais-valia absoluta. Evidente que, a partir do desenvolvimento das forças produtivas predomina a forma relativa de extração do valor. Por isso Marx faz a distinção entre subsunção formal e subsunção real do trabalho ao capital. Na primeira forma, subsunção formal, predomina a extração da mais-valia absoluta. Na segunda forma, a extração da mais-valia relativa.
Com isso Marx procura demonstrar, tão somente, o aspecto revolucionário da produção capitalista; ou seja, o processo de produção só produz mercadorias á medida que é capaz de reduzir significativamente o tempo de trabalho necessário à produção das mercadorias. Assim, os capitalistas que conseguem inovar no processo produtivo impõem uma vantagem aos concorrentes e faz com que sua massa de lucro cresça, conseguindo assim lucros extras.
Portanto,
... as duas formas da mais-valia, a absoluta e a relativa- se se quiser considerar cada uma per si, como existências separadas (e a mais-valia absoluta precede sempre a relativa) – correspondem a duas formas separadas da subsunção do trabalho no capital, ou duas formas separadas da produção capitalista, das quais a primeira precede sempre a segunda, embora a mais desenvolvida, a segunda, possa constituir por sua vez a base para a introdução da primeira em novos ramos da produção. (Marx, 1985: 93).

O trabalho vivo, que incorpora mais-valor, deve preservar o valor do capital variável, representado na forma de salários, e adicionar mais-valor, representada pelo trabalho excedente. Os meios de produção empregam o trabalhador à medida que o transforma em simples mecanismo da produção de mercadorias e:
(...) não é o trabalho vivo que se realiza no trabalho material como seu órgão objetivo; é o trabalho material que se conserva e se acrescenta pela sucção do trabalho vivo, graças ao qual se converte num valor que se valoriza, em capital, e funciona como tal. Os meios de produção aparecem já unicamente como sorvedouros do maior quantum possível de trabalho vivo. Este apresenta-se tão-só como meio de valorização de valores existentes e, por conseguinte, da sua capitalização. E, prescindindo do já assinalado, é precisamente por isso que os meios de produção aparecem de novo e eminentemente perante o trabalho vivo como existência do capital, e agora precisamente como dominação do trabalho passado e morto sobre o trabalho vivo. É justamente como criador de valor que o trabalho vivo se incorpora de maneira constante no processo de valorização do trabalho objetivado. (Marx, 1985:54).

O operário aparece como vendedor de mercadoria, força de trabalho, que deve submeter-se ao controle do capitalista enquanto trabalhador assalariado que dispõe o trabalho vivo subordinado ao trabalho morto para produzir mercadorias e, portanto, a relação capitalista-operário aparece como dominação do produto sobre o produtor, da coisa sobre o operário.
Trata-se, pois, de uma relação de alienação. A autovalorização do capital como objetivo supremo do capitalista, que procura extrair sempre um valor superior ao que foi investido na produção e que só pode realizá-lo empregando a força de trabalho e aumentando a produtividade do trabalho através da crescente utilização de capital constante, de trabalho pretérito, que, à medida que reduz o capital variável, intensifica a extração de mais-valia relativa.

Considerações Finais

A análise marxiana mostra-se atual. O capitalismo contemporâneo fundamenta-se na extração de mais-valor e na apropriação do excedente por parte dos capitalistas, soberanos na economia e vida social. As relações capitalistas de trabalho e de produção estão marcadas pelo signo da exploração, da dominação. O reino da mercadoria segue, ainda, a sua trajetória de transformar os mais diversos domínios e/ou esferas da vida social em suportes das relações, predominantemente, mercantis.
O significado da análise de Marx está no fato de ter desnudado as formas e o caráter assumidos pela formação social capitalista. A produção de mercadoria permanece como fim último. A ciência e a tecnologia, aliadas da mercantilização das relações sociais, são elementos da intensificação do trabalho, portanto, da extração de mais-valor. Em síntese, a atualidade da teoria marxiana pode ser demonstrada tendo em vista a permanência da exploração do trabalho e das relações sociais do capitalismo atual.
Referências Bibliográficas

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Paula, João Antônio de. Determinismo e Indeterminismo em Marx. In.: Revista Brasileira de Economia. Rio de Janeiro: 48, (2), FGV, abr/jun. 1994. pp.189-202.
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