sábado, 29 de dezembro de 2007

Algumas Considerações sobre o Processo de Globalização

Cleito Pereira dos Santos


No debate acerca do processo em curso, definido como globalização, vários autores, das mais diversificadas linhagens teóricas e filosóficas têm se esforçado para delinear os contornos de uma teoria social, econômica, política, cultural que dê conta do fenômeno. Assim, autores como Hirst e Thompson (1998), questionarão a idéia da globalização tratando-a como um mito, uma vez que ocorre, segundo estes autores, um processo de internacionalização da economia; Chesnais (1996) utilizará a expressão Mundialização do Capital como representando uma nova configuração do capitalismo mundial; Jameson (2001) trata-a como cultura do dinheiro onde o cultural se dissolve no econômico e o econômico no cultural ; para o Grupo de Lisboa, globalização extrapola o processo de internacionalização e multinacionalização uma vez que coloca em evidência o fim da centralidade do sistema nacional (Santos, 2002); Bernardo (2000) entende esse momento como transnacionalização do capital e vê nesse processo a “silenciosa multiplicação do poder” do Estado.

Embora existam divergências quanto ao conceito, todos concordam que o capitalismo atual apresenta-se de forma bastante modificada do que foi o capitalismo nos anos 60 e 70 do século XX. Os mecanismos de poder, as relações econômicas, a tecnologia possibilitaram um desenvolvimento sem precedentes na história do capitalismo, muito embora esteja, este desenvolvimento, concentrado nos países centrais. A maioria dos países capitalistas (Ásia, África, América latina, Leste Europeu) está fora dos supostos benefícios da economia global.

Segundo Hirst e Thompson,

(...) a globalização tornou-se um conceito em moda nas ciências sociais, uma máxima central nas prescrições de gurus da administração, um slogan para jornalistas e políticos de qualquer linha. Costuma-se dizer que estamos em uma era em que a maior parte da vida social é determinada por processos globais, em que culturas, economias e fronteiras nacionais estão se dissolvendo. A noção de um processo de globalização econômica rápido e recente é fundamental para essa percepção. Sustenta-se que uma economia realmente global emergiu ou está em processo de emergência e que, nesta, as economias nacionais distintas e, portanto, as estratégias internas de administração econômica nacional são cada vez mais irrelevantes. A economia mundial internacionalizou-se em suas dinâmicas básicas, é dominada por forças de mercado incontroláveis e tem como seus principais atores econômicas e agentes de troca verdadeiras corporações transnacionais que não devem lealdade a Estado-nação algum e se estabelecem em qualquer parte do mundo em que a vantagem de mercado impere. (Hirst e Thompson, 1996: 13).

E conclui, “essa imagem é tão poderosa que magnetizou analistas e conquistou imaginações políticas. Mas isto acontece?” (Hirst e Thompson, 1996: 13).

De acordo com estes autores, sem dúvida que a economia e a política internacional mudaram nas últimas décadas; especialmente no que diz respeito às relações comerciais entre as nações. No entanto, não poderíamos falar em economia global uma vez que aquilo que é anunciado pelos mais eufóricos partidários da globalização como “unificação” seja do ponto de vista político, Estado supranacional administrando e regulando as relações entre países, seja do ponto de vista econômico, mercado global com livre circulação de mercadorias, produtos, pessoas e principalmente capitais, está longe de acontecer. Talvez a demonstração mais cabal de tudo isto sejam as dificuldades culturais, políticas, econômicas de constituição dos blocos econômicos regionais ( Mercosul, União Européia, Alca, etc.).

A expansão da economia capitalista nas últimas décadas esteve associada muito mais a uma relação de aprofundamento da dependência dos países da periferia do sistema do que a uma relação de igualdade nas trocas internacionais. Para isso basta conferirmos as políticas específicas das grandes agências internacionais (FMI, BID, BIRD, OMC) visando reformar a estrutura tanto produtiva quanto especulativa das economias dependentes. Nesse sentido, a expansão capitalista continua sendo ditada a partir da perspectiva dos países de capitalismo central, o G7, só que agora determinada exclusivamente pela hegemonia norte-americana. Daí alguns autores chamarem a atenção para aquilo que segundo eles seria a americanização do mundo. O modo de vida americano ( música, moeda, comércio, língua, democracia liberal, tecnologia..) sendo tomado como modelo de globalização. A globalização como a tentativa de “universalizar uma particularidade”. (Jameson, 2001).

Tal processo sendo tomado como a prova irrefutável e inexorável da economia global. Assim, Hirst e Thompson (1998) enumeram três fatos que colocariam em xeque a idéia de globalização:

(...) 1) ....a ausência de um modelo da nova economia global comumente aceito e de uma referência a como ela se diferencia de estágios anteriores da economia internacional; 2) ... na ausência de um modelo claro contra o qual medir tendências, a inclinação fortuita a citar exemplos de internacionalização de setores e processos como se fossem uma evidência do crescimento de uma economia dominada por forças autônomas do mercado global; 3) ... a lacuna de fundo histórico, a tendência a retratar mudanças correntes como únicas e sem precedentes, firmemente fixadas para persistirem por muito tempo no futuro.(Hirst e Thompson, 1998: 14).

Nesse sentido, Santos (2002) demonstra com rigor o significado daquilo que comumente se toma como globalização. Para ele,

a globalização, longe de ser consensual, é, (...), um vasto e intenso campo de conflitos entre grupos sociais, Estados e interesses hegemónicos, por um lado, e grupos sociais, Estados e interesses subalternos, por outro; e mesmo no interior do campo hegemónico há divisões mais ou menos significativas. No entanto, por sobre todas as suas divisões internas, o campo hegemónico actua na base de um consenso entre os seus mais influentes membros. É esse consenso que não só confere à globalização as suas características dominantes, como também legitima estas últimas como as únicas possíveis ou as únicas adequadas. Daí que, da mesma forma que aconteceu com os conceitos que a precederam, tais como modernização e desenvolvimento, o conceito de globalização tenha uma componente descritiva e uma componente prescritiva. Dada a amplitude dos processos em jogo, a prescrição é um conjunto vasto de prescrições todas elas ancoradas no consenso hegemónico. Este consenso é conhecido por ‘consenso neoliberal’ ou ‘Consenso de Washington’ por ter sido em Washington, em meados da década de oitenta, que ele foi subscrito pelos Estados centrais do sistema mundial, abrangendo o futuro da economia mundial, as políticas de desenvolvimento e especificamente o papel do Estado na economia. Nem todas as dimensões da globalização estão inscritas do mesmo modo neste consenso, mas todas são afectadas pelo seu impacto. (Santos, 2002: 27)

O processo de globalização está marcado, então, pela existência de contradições tanto no campo hegemônico quanto no campo contra-hegemônico, para usar a definição de Santos (2002). Longe de ser um processo linear, é um processo heterodoxo de desenvolvimento e reestruturação capitalista; de afirmação de hegemonia neoliberal com todas as suas conseqüências nos âmbitos sociais, culturais, políticos e econômicos. Longe de ser um processo único e sem retorno, é um momento de acirramento das desigualdades sociais e de intensificação das lutas sociais por conquista de direitos fundamentais à sobrevivência dos indivíduos.
Vale acentuar, novamente, que não se trata de negar as transformações no capitalismo contemporâneo, mas de ressaltar a insuficiência analítica por trás da idéia de globalização como um fenômeno que abarca todos os países de forma irreversível. Como caminho único contra o qual não existe nenhuma alternativa.
Referências Bibliográficas

ANDERSON, Perry. Balanço do Neoliberalismo. In.: GENTILI, P. e SADER, E. (orgs.). Pós-neoliberalismo: as políticas sociais e o Estado democrático. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995. P. 9-23.
BERNARDO, João. Estado: a silenciosa multiplicação do poder. São Paulo: Escrituras, 1998.
________________. Transnacionalização do Capital e Fragmentação dos Trabalhadores. São Paulo: Boitempo Editorial, 2000.
CHESNAIS, François. A Mundialização do Capital. São paulo: Xamã, 1996.
HIRST, Paul e THOMPSON, Grahame. Globalização em Questão. 2ª ed. Petrópolis-RJ: Vozes, 1998.
JAMESON, Fredric. A Cultura do Dinheiro: ensaios sobre a globalização. 2ª ed. Petrópolis-RJ: Vozes, 2001.
SANTOS, Boaventura de Sousa. Os Processos da Globalização. In.: SANTOS, Boaventura de Sousa(org.). A Globalização e as Ciências Sociais. 2ª ed. São Paulo: Cortez Editora, 2002. p. 25-101.